terça-feira, 29 de novembro de 2011

Amor Digital

Hoje já não se comunica, contacta-se. E o contacto virtual e digital através de todos os aparelhos portáteis que temos ao nosso alcance, não é nunca a forma certa de estar com o outro, não é a mais certa, mas a mais fácil e curta certamente. A escrita é uma espécie de morse, um labirinto de linguagem teen, infinitamente mais rápida de debitar. Mas, tenho pena. Pena,  por ter de acelerar a minha capacidade de resposta na ponta do dedo. Pena,  por não poder saborear devagar cada letra.
É giro, infinitamente giro, como infinitamente mortal porque como qualquer outra droga, vicia, desarma e evita que as pessoas se olhem, se saboreiem com o olhar, se deliciem no prazer dos gestos, na forma a informar a forma... O dedo leva-nos a conta gotas até ao outro, um conta gotas rápido demais, uma espécie de soro que entra de repente e nos cria a fantasia de sermos donos do mundo.
Mentira é mentira. Ninguém ama alguém tipo ET ao toque do dedo no alfabeto, ninguém contrói amizades, inventa relações, governa a vida se não for à moda antiga, cumprindo etapas, marcando encontros, pensando a dois, saboreando uma santola e umas amêijoas numa saudável tagarelice ao fim da praia. Ou tocando. Não no inventor de sonhos, mas na mão do outro. Há lá alguma coisa que se compare ao olhar do outro? Comunicar não é tão complicado como parece nem tão simples assim. Tem-se medo de comunicar, tem-se medo desse encanto e deste veneno, absorvemo-nos nas mil e uma formas que podemos dar às letras. Tornamo-nos poetas e músicos, mágicos e malabaristas de letras pessoais e intransmissíveis na nossa versão de circo encantado e o pior é que as tomamos como suficientes para aproximar, para estar perto, para tornar ainda mais saudosas as saudades. Gostamos das palavras, da sua doçura velada, que estamos longe de perceber como são finitas quando se confinam só a ser palavras fechadas em cofres digitais. Apaixonam, redimem, sobram, faltam mas não são nossas, são iguais ás do outro, estranhamente iguais. O que as distingue são as emoções que em nós se fazem, o que as distingue é a nossa capacidade de pegar nelas, descer as ruas a pino, encontrar  a tal esquina prometida e fazer delas, das suas metáforas, das cores, das imagens, «pessoas crescidas» que andam e falam e têm vida própria.
Eu gosto delas, das palavras, do seu vazio luminoso, aquecem-me e levam-me para perto de quem gosto. Mas a formula - I miss you. I love you. I call you- não é desculpa para tudo. Só por si vale pouco, como as batatas sem bife, dão sabor apimentam, agigantam a vontade, compõem um prato, mas só por si, valha-me Deus! E o bife? É a bife que nos movemos, sem bife que se lixem as batatas! Gosto muito mais do amor à antiga que deste « a la carte» que ainda por cima agudiza as saudades e mata a coragem de matar as saudades de viva voz. Dantes as cartas a tinta permanente, em dobras macias e eternas demoravam o tempo todo do sol e da lua a cumprir-se, mas guardavam-se no cantinho do coração e não havia delete que as arrumasse na poeira do tempo. Tenho pena  que este prazer digital asfixie o sabor da pele, a luz macia da voz, os gestos do olhar, premiando olimpicamente a pressa do tempo numa espécie de pombo-correio em voo picado telecomandado por nós, eternos fabricantes de sonhos.

- Não era minha intenção dissertar aqui acerca do Amor, mas embora concorde com a autora deste texto, o que eu queria mesmo era ressaltar que adoro ler mulheres inteligentes como é o caso deste livrinho delicioso "Palavra de Mulher " da Maria João Lopo de Carvalho.
 
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